Escrito por: Rzeus Nikolaidis em 2016-01-04 00:00:00
CRONICA DE CHEGADA DOS CELESTIAIS A DEATH VALLEY
Trilha Sonora: https://www.youtube.com/watch?v=BWu7JDETw_I (Imagine Dragons - Dream)
Ele pegou a pena, molhou-a na tinta e começou a escrever, lentamente naquele pergaminho ainda virgem, as palavras que deveriam ser guardadas para a eternidade:
Escrevo aqui sobre as coisas que vi e ouvi, mas não posso garantir que todas sejam reais, visto que alguns dos fatos irão parecer totalmente impossíveis, irreais e até mesmo insanos. Mesmo eu, muitas vezes, não tenho certeza de que tudo que vi aconteceu realmente. Mas, como sou um dos poucos letrados nessa região, senti que deveria deixar meu relato para todo aquele que precisar saber como tudo começou...
Os antigos afirmam que essa terra era morta, e ser algum se aventurava por aqui, há milhares de anos. Mas, misteriosamente, ela começou a mudar, como se algo a estivesse mudando. O relevo se alterou, assim como o clima, e surgiram emaranhados de rios, tapetes verdes de árvores de todos os tipos, animais grandes e pequenos, aves e peixes vieram povoar o lugar.
Depois, vieram os humanos e, também outros seres. Há quem afirme que os primeiros habitantes daqui foram os dragões, mas como eles não são vistos diariamente (e há quem diga que não existem), não podemos afirmar esse fato. Mas, de fato, logo os humanos começaram a construir suas pequenas casas, algumas mais distantes, outras mais próximas, mas sem uma ordem.
Houve tempo em que as pessoas viveram felizes, nesse lugar. Mas eu não vi esse tempo, pois sou filho de uma época de trevas, de guerras, de desesperança. Nasci na mesma época em que começou uma guerra terrível, entre Inglaterra e França, para decidir quem era rei de fato ou de direito. Essa aldeia é distante desses lugares, mas as notícias chegaram até nós. E minha juventude foi vivida com o temor de que a guerra aqui chegasse. Mas ela ainda acontece, e até hoje não chegou aqui. E nem precisa.
Temos nossa própria guerra particular, contra forças que não compreendemos bem, e das quais não sabemos como fugir. Pessoas desaparecem na noite, gritos, gemidos e uivos são ouvidos, e feliz daquele que conseguia amanhecer intacto, e cercado pelos seus, sem ter desaparecido uma criança, ou uma mulher grávida, ou um idoso...
Assim vivemos esses anos todos, e minha juventude passou, e cheguei à idade adulta, quando passei a trabalhar num convento, e onde tive alguém que me ensinasse a ler e a escrever. Assim, cheguei à velhice, tendo o privilégio (ou o infortúnio), de ser um dos poucos letrados daqui, como já disse. E esse fato é que me permitiu relatar o que vem a seguir.
Uma noite, há cerca de dez anos, alguém bateu à minha porta, tarde da noite. A princípio tive medo, pois achei que seria a minha vez de sumir na noite, sequestrado por alguém ou algo desconhecido. Mas as batidas eram firmes mas suaves, como se a pessoa que batia quisesse me chamar, mas sem alarme. Assim, me aproximei da porta e, timidamente, perguntei quem era. Para minha surpresa, a pessoa respondeu que me conhecia, mas eu não a conhecia, e que precisava me falar.
Abri a porta e vi um rapaz jovem, que aparentava ter uns dezessete anos, todo molhado da chuva que caía. Ele pediu para ajudá-lo, pois estava ferido. Percebi que suas roupas estavam manchadas de sangue e o convidei para entrar, sem ao menos pensar em arrependimentos. Ajudei o rapaz a sentar-se, tirei sua camisa e enrolei panos em seu torso ensanguentado. Em seguida, servi um pouco de caldo quente com pão, e perguntei o que havia acontecido. Foi então que ouvi o relato dele, que transcrevo aqui. Como se passaram cerca de dez anos e minha memória não é a mesma, talvez esqueça alguma coisa. Mas, sinto que a vida abandona esse corpo, que já tem mais de setenta anos. E preciso que saibam o que eu sei...
CELESTIAIS EM DEATH VALLEY: o rapaz dizia se chamar Samuel, e ter milhares de anos. Sua aparência jovem era para que pudesse passar despercebido entre as pessoas, mas ele era muito antigo, tendo sido uma das primeiras almas a ser levada ao Éden como Venator, para lutar ao lado de Gabriel.
Confesso que não acreditei nas palavras do rapaz, e até achei que ele estivesse tendo alucinações, devido aos ferimentos. Mas ele me mostrou suas asas, para que eu pudesse crer no que dizia. Ia me ajoelhar diante dele, mas ele me proibiu, dizendo que isso era ligado à uma submissão, e que não precisava disso. Precisava apenas me contar o que sabia, para que eu pudesse memorizar, e informar a outros, caso ele fosse destruído (ele disse "obliterado"). Também disse que não era correto se revelar a um mortal, mas a situação exigia.
Ele disse que uma guerra acontecia na aldeia, no mundo todo em todos os lugares. Mas essa guerra era travada em silêncio, sem que as pessoas percebessem, ou entendessem. Havia quem sentisse algo estranho, percebesse que haviam mistérios ocultos, e até tentasse desvendá-los. Mas somente os escolhidos tinham acesso a eles, pois o conhecimento em mãos erradas poderia destruir a Tellurian, que era toda a existência. E, desde a aurora dos tempos, seres de luz e seres de trevas lutavam essa guerra infinita.
Samuel também informou que haviam diversos tipos de anjos, cada um liderado por um Primi, mas todos lutavam contra as trevas. Infelizmente, um deles, de nome Lucibel, acabou se pervertendo, provocou uma guerra, a Primeira Guerra do Éden. Ao final dela, ele foi punido e obrigado a vagar na Terra com seus seguidores. Foi nessa época que ele teve seu nome mudado para Lúcifer.
Confesso que senti arrepios terríveis, só em pensar que Lúcifer poderia estar caminhando entre nós. Eu não sabia que ele havia sido um anjo, e tive medo de estar acolhendo Samuel. Mas ele me acalmou, dizendo que o próprio Lúcifer não estava perto, mas seus seguidores sim, e era contra eles que os anjos lutavam, entre outros.
Essa guerra, segundo Samuel, não terminou por aí. Muito pelo contrário: foi se espalhando pelo mundo, e logo a Corte Ocidental viu surgir a Corte Ocidental, que era como eles chamavam os grandes agrupamentos de anjos. Mo Oriente, surgiram dois grandes grupos, enquanto o Ocidente contava com vários outros. Esse grupos eram os cleros, e os Venatores eram um deles. Essas divisões eram necessárias, para que todas as regiões do mundo fossem bem protegidas.
Eu mesmo não sabia que haviam outros lugares no mundo, e ele disse que realmente uns não conheciam os outros, e que um veneziano chamado Marco Polo havia ido recentemente para o Orinete, mas seus relatos ainda eram pouco conhecidos. Mas, o importante é que haviam celestiais protegendo todos esses lugares. Ele também me explicou que era assim que eles se chamavam, já que anjo era uma espécie de soldado, dentro de uma hierarquia quase militar.
Samuel ainda contou que haviam lugares especiais na Terra, onde as forças eram maiores, e poderiam recarregar as forças dos seres de luz, mas também poderiam ser corrompidos pelos seres das trevas. Os celestiais o chamavam de nodos e, segundo ele, havia um deles poderosíssimo, em Death Valley. Por isso tanto as forças do bem vinham ali há milhares de anos, como as forças do mal também. E era por isso que o local era considerado sagrado por alguns, maldito por outros, e místico pela maioria, pois mesmo os mais desavisados sentiam que alguma coisa acontecia ali, e nem todos sabiam porque vieram morar ali...
Depois da Primeira Guerra, em que Lucibel foi transformado em Lúcifer, houve uma Segunda Guerra, que durou cerca de mil e quinhentos anos. Uns diziam que essa era a Primeira, já que ocorreu na Terra, mas ele acreditava que era a Segunda, por causa da primeira ter acontecido no Éden. Nessa Guerra, surgiu uma imensa criatura, chamada Leviathan, mas ela foi morta por Gabriel, líder do clero ao qual Samuel pertencia. E também foi nesa época que surgiram os hebreus, que deram origem aos cristãos, que se tornariam milhares, séculos depois.
Ele também contou que Gabriel teve a ajuda de Veritatis, Primi do clero Veritatis, dos estudiosos, mas que também criou o clero Mors Sancta, para cuidar dos que morriam, a fim de que não fossem levados pelas forças malignas, que haviam se infiltrado até dentro da Igreja. E foi nessa época que a guerra aberta foi substituída pela guerra oculta, disfarçada, secreta. E foi nessa época que Gabriel procurou Maomé, e o instruiu a criar a fé muçulmana, que também serviria de base para a Corte Malaki, a terceira grande corte celestial.
Os celestiais tentaram trazer novos grupos para seu lado, já que os seres infiltrados na Igreja incitavam mortes e perseguições, contra judeus, mulheres que eram chamadas de bruxas e todo aquele que não aceitasse o seu comando. Eu ouvia tudo aquilo, pensando em como estávamos errados, achando que a Igreja estava certa, queimando as bruxas ou perseguindo os judeus...Esse relato parecia tirar um véu dos meus olhos, e comecei a entender como tudo acontecia.
Quando as forças do mal perceberam a estratégia dos celestiais, criaram as Cruzadas, para que os muçulmanos fossem derrotados, e a Igreja pudesse se tornar mundial, levando as trevas disfarçadas a todos os lugares. Mas os celestiais ensinaram muita coisa para os povos do Oriente Médio, e os malignos não conseguiam derrotá-los. Foi assim que surgiu uma nova ideia...
Enquanto ocorriam as Cruzadas e a Inquisição, os celestiais estavam distraídos e não perceberam que as forças do mal estavam tentando chegar ao Éden. Só perceberam quando houve um grande ataque à cidade de Prístina, dentro do Éden. Os celestiais tiveram que correr para lá, a fim de defendê-la do ataque das hostes do mal, e deixaram a Terra desguarnecida. E os ataques continuaram, em vários lugares, feito não para destruir, mas sim para distrair a atenção dos portadores da luz, que não estavam entendendo a estratégia dos malignos.
Finalmente, em 1300, começou o grande ataque dos infernais. Primeiro atacaram Prístina, depois Mecca...Os ataques estavam se tornando frequentes, e Veritatis resolveu descobrir como os demônios estavam chegando ao Éden, e soube que eram portais, gerados por forças desconhecidas, que estavam auxiliando nesse objetivo. Assim, em 1312, foi feito um grande ritual para selar o Éden.
Mesmo assim, os celestiais perceberam que deveriam enviar grupos a lugares onde tivessem nodos, pois eles poderiam ser convertidos em portais, no futuro. E por isso, enviaram um grupo a Death Valley. Esse grupo não poderia ser revelado, mas era composto por celestiais de vários cleros. Essa era uma nova estratégia deles: enviar venatores, líberes, kage, prínceps, e outros, em missões de reconhecimento, ou como guardiões, para que as forças das trevas não tentassem na de novo.
A Terra estava prestes a passar por um "renascimento" cultural, espiritual e tecnológico, e os infernais e seus asseclas, mais do que nunca, queriam impedir isso, pois os seres humanos ignorantes eram mais fáceis de controlar. Então, os celestiais, mais do que nunca, deveriam cuidar para que isso não acontecesse.
Mas Samuel havia sido terrivelmente ferido, e acreditava que seus irmãos, outros celestiais, talvez tivesse sido obliterados. Por isso, me pediu que memorizasse tudo que estava me dizendo, e procurasse avisar a outros, caso tivesse a chance. Disse isso, vestiu-se e saiu naquela noite chuvosa. Nunca mais o vi.
Agora, com mais de setenta anos, vejo a morte se aproximar, e deixo esse relato escrito, que é a única coisa que posso fazer, pela memória de Samuel. Guardo esse segredo há dez longos anos, e não soube se um lado ou outro estão vencendo a guerra. Espero que seja o lado do bem, da luz. Mas, sinceramente, não sei...
Terminado seu relato, ele pousou a pena na mesa, enrolou o pergaminho e o colocou dentro de uma garrafa, que foi posta numa prateleira. Fez uma oração, na intenção de que alguém um dia descobrisse o pergaminho, mas que fosse a pessoa certa. De tudo, ele tinha uma certeza: A vida não é o que parece, todos nós só estávamos sonhando....
Cronista: Rzeus Nikolaidis - Celestial Kage (Jan/2016)
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