Escrito por: Charo Dunner em 2015-11-14 00:00:00
Crônica Vampiros: Aonde você guarda o seu coração?
Apesar da chuva forte e dos relâmpagos que rasgavam o céu, eu estava animada. Fazia dias que eu não sabia o que era estar tão eufórica com alguma coisa. Trabalhar me dava a sensação de que de alguma forma, eu não era um monstro. Era apenas uma pessoa comum.
Me troquei com cuidado. Apesar de não mais sentir frio, coloquei uma roupa bem quentinha. Assim ninguém estranharia. Peguei meu guarda chuva, minha bolsa com meu celular e a carteira e saí do hotel. A recepcionista já devia estar mais que acostumada com meu vai e vem.
Caminhei tranquilamente pela cidade, tomando o máximo de cuidado para não me molhar. Pelo caminho, cruzei de vez em quando com uma ou outra pessoa que corria da chuva. Realmente, estava uma noite terrível.
Enfim, cheguei na biblioteca. Fechei meu guarda chuva e o deixei no suporte ao lado da porta. Instintivamente, olhei para dentro me certificando dos poucos presentes que lá estavam. Não havia nenhum rosto conhecido.
Logo atras do balcão, havia uma outra atendente. Ela parecia preocupada. Fui até o balcão e me apresentei. Ela pareceu extremamente aliviada ao escutar que eu estava ali para trocar de turno com ela. Pelo que entendi, nosso chefe já devia ter deixado tudo explicado. Aliviada, a mulher guardou suas coisas com pressa e saiu. A impressão que tive, foi que ela estava com medo de algo. Mas, sinceramente, não dei maior importância ao fato.
A biblioteca se esvaziava, as poucas pessoas que lá estavam, se retiraram logo em seguida, com excessão de uma ruiva que eu só percebi depois de tomar um susto. Pois é, estava eu colocando minhas coisas no balcão, quando escutei um "boa noite" vindo de cima. E é claro que minha cabeça foi parar na madeira. Não podia deixar de ser.
Nossa, a pancada doeu, viu. Tanto que acabei dando um passo pra tras, segurando a cabeça com a mão. A jovem me ofereceu ajuda, mas disse que estava tudo bem, que era atrapalhada mesmo, e perguntei no que poderia ajuda-la.
A moça respondeu que gostava de livros de terror. Tentei disfarçar meu constrangimento por ainda não saber aonde estavam as benditas sessões. Dei sorte, pq meus olhos resolveram se fixar num livro do Stephan King e me dirigi pra lá com ela. Avisei que a deixaria tranquila para escolher o livro que quisesse e aproveitei para perguntar se ela já tinha cadastro na biblioteca.
Estava de costas para ela, e começava a me afastar quando a senti praticamente "cafungando meu cangote". Extremamente incomodada, me afastei e acabei metendo o dedinho do pé numa quina. Eita lasqueira, é hoje que saio daqui roxa. Sem querer acabei soltando um sonoro palavrão. Dei um sorriso sem graça pra ela, como se pedisse desculpas pela minha falta de jeito.
Fomos até o balcão e finalmente pude ver o livro que a tal havia pego. Claro que não podia ser outro. Ela havia escolhido justamente "O Vampiro". A única coisa que consegui pensar naquele momento foi que todo mundo daquela cidade parecia ter fixação com Vampiros. Apesar da minha surpresa, consegui falar quase normalmente, perguntei o nome dela, ela disse se chamar Ana Laura e voltei a falar que pelas regras da biblioteca, ela poderia levar até dois livros, pelo prazo de duas semanas.
Enquanto eu procurava a bendita ficha da mulher, ela soltava uma enxurrada de perguntas pra cima de mim. Só faltou perguntar a cor da minha calcinha. Acabei me desconcentrando e voltei a procurar todas as fichas outra vez. Procurei, procurei e nada de achar ficha alguma com Ana Laura.
Sério, o fato dela não calar a boca estava me deixando nervosa. Não consegui achar a ficha de jeito nenhum. Cansada de procurar, disse que não havia encontrado a ficha dela, mas que poderíamos fazer outra. Enquanto ela pegava o documento, para disfarçar meu constrangimento, resolvi responder algumas das perguntas. Disse que era nova na cidade, que estava temporariamente hospedada no hotel e que ainda não conhecia os points.
Ela me entregava o documento e se aproximou o suficiente para sussurrar no meu ouvido: - Posso fazer uma pergunta íntima? Você responde apenas se quiser... Aonde você guarda o seu coração?
Sabe aquela sensação do sangue gelar? Então seria ela que eu teria tido se meu sangue ainda circulasse pelo meu corpo. Respondi também num sussurro: - Quer saber onde guardo meu coração, docinho? Que tal junto com o seu depois que eu arrancá-lo do seu peito? Pouco antes de tentar agarrar a desgramada e joga-la no chão.
Ela conseguiu desviar, e tentou me prensar na parede dessa vez, consegui escapar por pouco mas ainda tive tempo de escutar ela dizendo: - Calma garota, e se os nossos corações estão guardados no mesmo lugar, talvez não seja muito inteligente da sua parte você vir para cima de mim. Correto?
Mais uma vez eu me esquivei por pouco. Não seria dessa vez que outro vampiro levaria a melhor. Tentei prende-la de cara na parede com o braço pra tras, pelo tempo suficiente para dizer: - Pode parar a brincadeira, mocinha... a última vez que dei mole pra um de vcs, acabei morta. Você escolhe. Aquieta seu faxo ai e conversamos como pessoas civilizadas ou vamos ter que partir pra pancadaria aqui dentro mesmo.
Finalmente ela se aquietou e concordou em pararmos com a agressão. Ela ainda deu uma risada, estendeu o braço e falou: - Tudo bem, tudo bem, você quem sabe. Mas só para desencargo de consciência, eu não sou de guerra, foi você quem começou. Paz? Amigas?
Aceitei a mão estendida de Ana Clara. Embora eu não tenha gostado nada do jeito petulante dela, eu não podia me esquecer que a vaca da Melinda havia me mandado para Silent Shadows justamente para encontrar outros como eu. A contragosto, respondi: - Bem, Ana Laura, se é que esse é seu nome mesmo, eu me chamo Charo, e como lhe disse sou nova na cidade. Espero que possamos ao menos, não nos matarmos... Acho que está bom para um começo, não eh?
Ela se desculpou pela bagunça causada, pegou o livro e foi se sentar numa das mesas para ler. Eu voltei a tarefa que havia interrompido. Preenchi a ficha de cadastro e depois fui até onde ela estava. Deixei o documento sobre a mesa. Ela parou de ler tempo suficiente para pegar o documento e agradecer. Pelo jeito, o livro era bom, pois ela estava imersa nele, como se nada tivesse acontecido.
Por via das dúvidas, decidi manter os olhos bem abertos pra cima da talzinha. Vai que era um lobo em pele de cordeiro. Voltei para o balcão e me pus a estudar o sistema de catalogação da biblioteca. Não seria surpreendida outra vez.
Cronista:
- Charo Dunner
Participantes:
- Charo Dunner (Vampiros)
- Luana Tairov (vampiros) como Ana Laura
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